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domingo, 7 de agosto de 2011

Redemoinhos inevitáveis, por Marli Gonçalves

Como já comecei dizendo, eles são inevitáveis. Igual buraco de bueiro nas ruas. Se a ponta do pé entrou em um, o Tempo - durante um tempo - se estenderá de forma diferente até tudo acabar de girar, se é que um dia acaba, se você não tonteou no caminho, se ele não engolfar tudo

Ventos, ventos, ventos, às vezes tenho verdadeiro pavor deles. Quando zumbem na janela, quando forçam portas e janelas, quando cantam e atiçam as vidraças. Quando varrem em direções variadas, chacoalhando como se quisessem arrancar tudo, sem muitas delicadezas, o que já estava alquebrado, cansado, prestes a ir. Com o vento as coisas se aceleram, andam mais rápido, são instadas a se mover.
Na vida os ventos podem ser suaves, brisas modorrentas, ou sopros mais fortes. Mas no nosso caminhar aqui neste chão encontramos de quando em quando o que poderíamos definir quase como buracos para o infinito, fendas de vento, exatas e cruéis: os redemoinhos. É aquele momento que a melhor descrição seria pedir para você se imaginar dentro de uma máquina de lavar roupa naquela hora "centrífuga", que tira as últimas gotinhas de água das roupas, torce, e dá umas batidas para a própria roupa ter certeza que tem de soltar toda a sujeira ali, naquele ciclo. E sair limpinha, renovada, pronta para a próxima combinação de vestuário.
Fins de relacionamentos, decisões urgentes a tomar, correr para tirar o rabo da janela, escapar de sacanagens e armadilhas, principalmente quando fazem surpresa, são redemoinhos, torvelinhos. Desde menina admiro suas formas, ouço contar as histórias, lembro de terem me dito que havia um ali no mar de Santos, perto de onde eu fazia castelos de areia com meus baldinhos e moldes coloridos e me sentia segura longe dele. Será por causa dessa imagem que demorei tanto a perder o medo, e nunca deixei o receio das águas do mar? Os redemoinhos nascem em dias quentes, de muito sol, e estranhamente, em dias sem vento. E, pelo menos os de areia, podem ser pequeninos de poucos centímetros a monstros de muitos metros de altura e força.
A fantasia diz que o saci se esconde em seu interior. Os matutos quando viam o redemoinho acreditavam que ele era o rastro da passagem do Saci-Pererê com seu cachimbinho maluco. Noutros cantos, acham que é o próprio diabo andando pelos campos. Lobato escreveu sobre a crença de que se alguém entrasse no meio do redemoinho munido com uma garrafa e uma peneira conseguiria capturar ou saci ou diabo ou autor do turbilhão. Mas, agora, pesquisando, acabaram com a minha fantasia. Olha só o desmancha-prazeres: "Na verdade o que acontecia é que ao entrar no meio do redemoinho, a pessoa pode interromper a corrente de convecção que alimenta o sistema, e o redemoinho "simplesmente desapareceria". Para tudo tem explicação.
Bom, eu não quero mesmo caçar sacis; quero apenas sair viva e inteira dos redemoinhos que encontro. Eu, só, não. Todo mundo. Pessoas e países vira e mexe se defrontam com situações que - não tem jeito - dali, só dá para ir em frente, sem recuar, sem fugir. Não estão vendo as primaveras dos países que viviam em longos invernos? Não estão vendo um gigante com a unha encravada, gritando ui,ui? Jogue uma pedrinha na água e observe as ondas crescentes, perturbando até onde alcança o deslizar dos círculos que procria. Assim é até voltar ao normal, com a pedra no fundo, engolida e absorvida pela superfície.
Vórtices. Fenômenos da natureza são danados para colar em sabedorias, principalmente as mais bonitas, vindas do Oriente. Sabia que, para os orientais, o redemoinho - ou aquela espiral de cabelos que todos temos no alto da cabeça(tá bom, os hoje carecas não têm mais, mas já tiveram) é a origem da vida e representa a entrada da força do Céu no corpo? Para eles é a partir dos redemoinhos que o corpo se desenvolve, e tem gente que possui duas ou mais espirais no cucuruco. Dizem ainda que, no geral, a parte da frente da cabeça é mais "Yin", feminina, suave, enquanto que a parte posterior é mais "Yang", masculina. Corre no espelho para ver.
Eles ensinam que, se o redemoinho começa em direção à fronte, a pessoa é mais Yin. Se o redemoinho começa em direção à nuca, a pessoa é mais Yang. Se o redemoinho está bem no centro da cabeça, seria o sinal - olha que legal! - de que Yin e Yang estavam harmonizados no momento do nascimento. Ou seja, os seus pais estavam em harmonia física e mental, fizeram você bem gostoso, no bembom. Essa pessoa feita assim teria maior tendência para as artes, pensamento profundo, harmonia e equilíbrio em geral. Se o redemoinho está à direita da cabeça indicaria disposição ativa e tendência para a vida prática, bem Yang. Se o redemoinho está à esquerda da cabeça indica uma visão objetiva, analítica e um pensamento sistematizado, mais Yin.
Agora que eu até já estou daqui só vendo você aí com o dedinho apalpando e procurando onde é o nascedouro do seu próprio redemoinho, vou indo. Mas vou dar uma voltadinha. Sabe o que eu achei também? Teve um cabeção, que nem vem ao caso, que resolveu fazer uma pesquisa e lançar uma tese de suas suposições. Ele diz que parece que os homens gays têm quatro vezes mais redemoinhos no topo da cabeça, na direção oposta ao sentido dos ponteiros do relógio do que a população em geral.
Força na peruca!

São Paulo, agostos ao gosto, 2011

(*) Marli Gonçalves é jornalista. O legal é a vitória. A sensação do pular corda. O sentimento de poder novamente enrolar os cachinhos para nenhum pé-de-vento mequetrefe vir desarrumar. Uma coisa Dom Quixota lutando contra redemoinhos.
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