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terça-feira, 3 de novembro de 2009

(In) continências e histerias

(fonte: www.filosofix.com.br/blogramiro)

Marli Gonçalves

Desarranjados, eles enguiam e misturam os nossos estômagos quando resolvem ser engraçadinhos, se mostrar e emitir seus pensamentos torpes em comentários e ações fora do script e fora de hora. Além disso, agora também estamos assistindo a umas cenas explícitas e muito perigosas de histeria coletiva


Bater continência. Melhor mesmo é bater em retirada; ou rezar para a retirada deles de nossa frente. Varre, varre, vassourinha! Na semana passada, sei lá se por causa da água que passarinho não bebe, dos miolos moles e pensamentos reais torpes e preconceituosos, de medicamentos de tarjas grossas e coloridas ou se culpa apenas do desarranjo mental, a gente teve de ouvir cada uma! Que parecia que eles haviam comido alguma coisa podre, que subiu para a cabeça. Mas era só o pensamento deles vindo à tona.


Lula perdeu a noção. Disse, entre outras bobagens que vai guardando para espalhar ao vento, que a imprensa não tem nada que ficar fiscalizando, e que para fiscalizar existem uns órgãos públicos tipo TCUs, AGU, CGU. Faltou citar a Comissão de Ética Pública (é, gente, existe uma...). Claro! Deus tá vendo! Feminina como ninguém, Dilmona diz que está sendo atacada e acusada de campanha antecipada – não porque está para lá e para cá a tiracolo – mas porque estaria sendo alvo de preconceito contra a mulher, dando uma de perseguida. Coitadinha, tão frágil! E o Requião, governador do Paraná, jorrando pela boca que o aumento da incidência de câncer de mama em homens "deve ser coisa dessas passeatas gays”? Logo ele, que carrega há anos – justamente por suas síncopes e diarréias mentais - o apelido de Maria Louca: às vezes mais louca do que Maria: às vezes, mais Maria do que louca.


Depois Requião conseguiu piorar ainda mais a coisa, tentando explicar. Porque quando a gente pisa no cocô tem de lavar o sapato, mas ele não. Tentou esfregar na calçada. Disse que era porque com essa coisa de implantar silicone e tomar hormônios os homens estavam ficando tão doentes iguais às mulheres.


O mundo gira mais um pouquinho e vimos que centenas de estudantes universitários daquele lugar que vende cursos como se fosse carne no açougue quase lincharam uma estudante, e dentro do campus. Por quê? Porque ela estaria com um vestido curto demais. Provocativa. Se nem no jardim de infância isso seria normal, o que dizer de ocorrer – preste atenção – entre jovens, homens e mulheres, universitários, e em São Paulo? A menina, uma moça simples, mas "opulenta” e cheia de carninhas, teve de sair da faculdade com escolta policial. Será que se fosse magrela, feiosa, modernete, rica, e o vestido não fosse rosa, o mesmo teria acontecido? Não, senão não haveria "balada” em pé. Gente da laia desses estudantes que começaram a chacota é perigosa. Gente como os que os seguiram, zumbis. O mundo deles é estreito e escuro.


Alguém lembrou que o caso mostra que nossos pedreiros são muito mais educados, com seus fius-fius, cantadas e palavras chulas. Mas isso não é nada. Há muito não se via uma cena tão clara de histeria coletiva, de reacionarismo, de ignorância bruta. Assustador. Pior do que nos dias que estivemos todos realmente sob a ameaça do PCC. Ou durante as semanas em que contávamos mortos e feridos por causa da gripe suína que nos dizimaria em dias. Pior do que procurar ver se o pernilongo tem cara de dengoso, ou procurar saber se o pitbull do vizinho já tinha almoçado ou jantado.


Sei só que tudo isso é perigoso demais. Estamos cansando de levar na piada, achar natural, e até desculpar. No dia seguinte, pumba! Lá estão eles, de novo. Põe um microfone na frente da Marta Suplicy, do Ciro Gomes, de uns quatro ou cinco daqueles paspaqueras de Brasília. Não precisa nem provocar. Nem dar corda. Lá vem bomba! O jornalista Augusto Nunes fez recentemente um apanhado de falas e definições de Dona Dilmona, a quem chama ternamente de Pacheco de terninho. Não sobrou uma frase que não pudesse ser literalmente dinamitada. Vê-se que são apenas palavras vomitadas ao vento, com cara e jeitão de importantes decisões, de opiniões fundamentais, e o que é pior, de projetos para o Futuro. Abra os olhos, os ouvidos.


Estamos na era da comunicação rápida, eficiente, veloz como The Flash. Os vídeos, gravações e provas incontestes chegam e se reproduzem no éter mais rápido que ratos e coelhos. Caneta grava, filma, borda, celular grava e nossa memória e o papel do jornal também. Câmeras espalhadas certificam-se de registrar bem, principalmente se não for realmente importante.


Tudo bem, eles já sabem disso. Será que é por isso que fazem? Para aparecer? Ou porque acham que o que passou, passou, passará? Não há mais compromisso? Os policiais que roubaram o morto, que ainda nem morto estava, no Rio de Janeiro, não disseram que pegaram as coisas (dos ladrões) para devolver?


Estamos todos loucos? Ou não há mais limites? Nem o papel mais aceita tudo. Nem o papel higiênico folha dupla limpa esses caras-de-pau.


Pensei realmente na continência, sem sentir saudades de quem a fazia. Que era um gesto de respeito, de cumprimento, de homenagem, e até de submissão. E lépida, veio a incontinência, que pode ser oral, verbal, sexual, legal. Tem incontinência de conduta, que é sempre sexual. Lembrou-me tudo aquilo quando a gente não consegue segurar. E que rimas, continência! Sonolência, advertência, convivência, aparência, permanência, referência, opulência, repetência, abstinência, potência, complacência, ciência, fluência, estridência. Inconsciência, e até demência.


Continência, além de saudação militar, é o estado de uma pessoa que se abstém de todo prazer carnal. Moderação nas palavras e nos gestos. O contrário, as incontinências todas que temos presenciado. Esse é o problema: fazer e falar deve levar essa gente ao êxtase. Ao orgasmo.


São Paulo, e eles falando em coisas republicanas, 2009.


Marli Gonçalves é jornalista. Se fosse por saia curta ou salto alto já teria sido linchada, mas aproveitou para romper com os limites quando nossas rédeas é que estavam ficando curtas demais.


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