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segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Uma a mais, uma a menos. De quem somos fantoches? Marli Gonçalves



Acordei tonta. Mais de meio século de vida e nada de se acostumar com essa praga de horário de verão, que nos rouba tempo dizendo que é o melhor. Esse assunto mexe tanto com a gente que deveria ser decidido em plebiscito.


Neste domingo, acordei tonta e já atrasada. No sábado já tinha sido esquisito ir dormir mais tarde, sem que fosse realmente hora passada. Esse negócio de horário de verão deixa a gente meio boba, meio irritado e besta. Mexe com o corpo, com a mente, com a disposição, com o nosso relógio biológico. O meu deve ser um Rolex tradicional, de dar corda, porque não gosto. Decididamente, não gosto dessas mudanças. Principalmente não gosto da imposição delas.

Uma hora pode não ser nada. Uma hora pode ser tudo. Segundos fazem diferença. Tempo é Tempo. Uma coisa divina, sagrada, que devia ser mais respeitada.

Incomoda também a pouca transparência da ordem vinda de cima, que alguém dá e diz que será por pura economia. Economia que daqui a alguns meses, quando te devolverem essa hora - a vigésima quinta hora, artificial, de silicone - calcula-se um número qualquer e nós o engolimos goela abaixo, e sem saber exatamente o que significou para o país. "Energia suficiente para iluminar uma cidade equivalente a Piçirica dos Montes...”! – sempre tem um "técnico” que afirma. Nós sabemos o que custou, mas não dá para calcular em númerozinhos porque são coisas abstratas como sono, alegria, disposição, humor, visão, apetite, etc.

É um esforço real, físico, se adaptar; os primeiros dias, então, são a zorra. Eu nunca vi ninguém calcular esse prejuízo. Esse ano foi ainda mais esquisita e mal contada essa história. Primeiro era para ser 12 de outubro; depois virou no 18. No meio, apareceram umas gravações de conversas bem discutíveis e que discutiam o assunto em benefício de alguém.

Para completar, neste mesmo domingo, quando começava o azougue, pelo menos na região que moro, Sudeste, uma reportagem mostra que nos últimos sete anos pagamos – pagamos, sim, todos nós, do Brasil inteiro, mais do que devíamos pela energia consumida porque algum cálculo não foi checado. Ah, esqueça! Também já disseram que não devolvem. Tunga no bolso.

Adoro os levantes de desobediência civil que algumas regiões fazem contra o horário de verão, onde em alguns casos chega a criar diferenças de duas, três horas do fuso horário oficial de Brasília. Num mundo globalizado, acho que essas mudanças não são tão fáceis de serem assimiladas, nem mesmo pelas máquinas, previamente programadas. O transtorno é total. Nas malhas viárias e aeroviárias. Nas comunicações e transações. Uma semana antes, do nada, meu celular Claro mudou de horário sozinho; meu computador também. Rebeldes! E assustadores. Máquinas se sobrepondo aos homens, com suas vontades de Sistema.

Primeiros dias enjoados, confusos, cheios de álibis, mas só para quem souber usá-los. Tipo "não arrumei o despertador”. Depois, mais trabalho, porque você não vê a noite chegar e vai indo. Claro, nas lindas noites de verão e luar, de férias, talvez, com dinheiro no bolso, relaxando num resort, até que esse tal horário de verão pode ser bem legal. Lembro de alguns momentos deles terem sido bem bons. E um dia ou outro que se vai para casa ainda com a luz do dia até que é legal. Mas e o que mais?

Um dos momentos mais chatos é quando chegam as festas de fim de ano. O Natal chega e não chega. O Ano Novo que chegou, explodiram os fogos, até dizer chega e ele não chegou, de verdade, assim, realmente. Só daqui a longos sessenta minutos, esotericamente falando. Sempre achei que tinha de pular ondinhas à meia-noite e outra vez - uma hora da manhã. Natal, não. Como não gosto nem um pouco de Natal, quanto mais rápido passa, mais rápido me livro. Com sorte, consigo passar o "Natal” como desejo mesmo, quando bate uma hora da manhã, e já estou quieta, ou dormindo.

Até astrologicamente é meio esquisito nascer no horário de verão. Não há mapa astral preciso se não levar em conta essa anormalidade. Aliás, onde nasceu o monstrinho? Quem inventou isso? De quem copiamos? Como começou? Pode apresentar algum motivo mais razoável para somar à tal economia?

Preciso contar um segredo. Você vai entender. Não é uma das coisas mais chatas do mundo acertar todos os relógios de sua vida quando esse negócio entra em vigor? E já reparou quantos relógios tem a sua vida? Vamos lá: despertador, talvez no banheiro algum, e o da cozinha, além do micro-ondas. O(s) seu(s) de pulso. Os celulares, o computador, o fax... Um programa diferente. O do carro. O do escritório. Da sala e do computador. UFA!

Bem, por causa disso, desde o último horário de verão, resolvi e não arrumei um dos relógios, um que também fica no meu quarto. Ele é digital, complicado de mexer igual aquele sistema de balança de peso, setups, resets, forwards.

Assim, passei esses meses todos vendo bem a diferença que faz a tal mudança. Era legal acordar, achando que estava atrasada por ter olhado para esse rebelde de relance e depois descobrir que era ele que marcava uma hora a mais.

Tesão. Muitas vezes dormi gostosa toda essa hora ganha por mim mesma. E para mim.

São Paulo, uma hora a menos até fevereiro do ano que vem, e todos os que vão concorrer já estão adiantando os relógios. Até um pouco demais.

* Marli Gonçalves, jornalista. Esse assunto importa muito a quem precisa falar com o país inteiro e a cada passo tem de calcular. Não quero acordar ninguém. Nem atrapalhar a vida de ninguém. Mas queria tanto que as cabeçorras do Poder aprendessem a respeitar - pelo menos os nossos corpos e relógios...

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