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domingo, 23 de outubro de 2011

Frenéticos de toda sorte, por Marli Gonçalves

Você tem o hábito de olhar para as coisas e pessoas ao seu lado, ou do lado de fora das janelas? Repara na azáfama que nos faz parecer um bando de formiguinhas laboriosas? Registra algumas destas cenas e nem sabe bem por causa de quê? Será que é essa velocidade o que está nos atropelando?


Quase todos os dias eu a vejo. Usa uns óculos de armação pesada, baixinha, tem pernas bem grossas que se raspam no andar e parece um tanquinho no passo célere e constante. Está sempre de shorts. Engraçado é que eu a vejo em todos os caminhos das imediações – eu mudo o caminho, mas ela está lá, ou de dia ou de noite. De costas parece uma menina, mas um dia eu quis ver mesmo como era e, surpresa, não é jovem, e não para nunca, não se detém, não olha para os lados. Deve andar, andar, andar, dezenas de quil�?metros. Não é pela forma, porque está sempre igual, ano após ano, raspando as pernas duras e volumosas entre as coxas. Será que ela só relaxa assim?

Tenho pensado em formas alternativas de relaxamento e em como anda difícil conseguir descansar de verdade. Nós, jornalistas, temos o problema de levar nosso trabalho na cabeça, tal qual Carmen Miranda, mas são outras bananas e chocalhos que nos pesam. Então é como se trabalhássemos o tempo inteiro, e não sei se quem não tem o trabalho intelectual consegue entender isso. Somos como os pintores, os poetas, os criadores – nossa inspiração está no viver, nas ruas, nos sons das sirenes. Não dá para ser diferente, e desista se não gostar de carregar esse fardo.

Pensar cansa. Não cessa. Cansa. Com a internet piorou. Apareceu um monte de maquininhas substitutas, parafernálias e seus aplicativos. Morreu a recadeira, a secretária eletr�?nica que piscava (ou não) para a gente quando abríamos a porta de casa. Hoje ninguém mais deixa recado nem na caixa postal do celular. Continua procurando você, no fixo, no Face, no MSN, GPS, Skype, Viber. Às vezes me sinto caçada, sem escapatória, vigiada. É o tempo inteiro pensando no que acontece, nas soluções ou falta de soluções, nas respostas às perguntas que virão. No que vai ser e no que vou ler ou escrever, se efêmero será ou quão profundo calará par a alguém.

A minha é uma vida de cidade grande. Eu e outros tantos milhões de agitados.

Você que está aí lendo, talvez no meio do mato, defronte de alguma praia, ou numa vila tranquila – talvez até esteja aí justamente porque cansou ou nem quis pagar para ver. Pode estar também entre os “eleitos”, aqueles que nasceram voltados para a Lua, quando todas as coisas fluem suaves para os seus braços. Delícia ter mais tempo para pensar, soltar a cabeça. Você faz isso, aproveita?

Nesses frenéticos dancing days estamos instados à sofreguidão. Uma notícia bate a outra. O ditador é morto em praça pública; e a praça pública está ocupada em vários países; o carro-forte faz puff com 10 milhões; declarações vão e vêm, entre acusados e acusadores; motoristas bebem muito e matam guiando as suas armas potentes e tecnológicas de quatro rodas, e que por isso mesmo requerem mais apuro e equilíbrio, o que falta aos bêbados imprudentes em apuros. Tudo é touch screen, 3D, eletr�?nico, smart, sem fio, mas os comandos continuam humanos e falhos.

Como se distrair? Ouvindo uma música, lendo um livro. Sim, mas onde, se há barulho e agitação partout, e se pode haver uma arma apontada para sua cabeça pela janela aberta, ou uma invasão de mercenários sem qualquer credo porta adentro de sua casa?

Pensar em descansar agora até me faz rir de mim mesma. Vê se isso é hora de pensar no assunto: pleno fim de ano, dias não tão iguais aos outros porque já exigem mais. Resultados, balanços, fechamentos, planos, prospecções, definições. Cobranças e pagamentos. Novas dívidas.

Você já vê isso espalhado nas ruas de todo o mundo, planeta que gira junto em seu padrão globalizado. Novembro está na porta, cheio de datas. Tem até proclamação. Além de mortes e mortos, que passaram pelas nossas vidas, nos antecederam neste chicote maluco, nem sempre tão colorido como o mexicano.

Vou escolher a melhor data, a do dia primeiro, Dia de Todos os Santos. Só apelando para eles.

São Paulo, quase travando, quase parando, uma cidade quase, 2011.


(*) Marli Gonçalves é jornalista. Radar sempre ligado. Operando com comandos visuais, sem piloto automático. .

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