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sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Vácuo, vazio, vade retro. Por Marli Gonçalves

Toda semana antes de escrever tento me concentrar no tema que está mais ou menos presente, circulando na cabeça das pessoas, e busco traduzir um pouco desse enorme sentimento coletivo. Pois bem, desta vez se eu tivesse que depender disso, a página seria um branco, um enorme ponto de interrogação, a incógnita. O desenho de um risquinho. O vácuo. Sem ideia do que iria preenchê-lo.


Desde que comecei recebo dezenas de mensagens e cartas a cada texto que escrevo, toda semana, vindas de pessoas as mais variadas a cada dia, agradecendo e dizendo que eu coloquei no papel naquela hora exatamente o que elas pensavam, sentiam, ou tinham vergonha de afirmar. "Tirou as palavras de minha boca". "Gostaria de ter escrito isso". "Nunca ninguém foi tão direta nesse assunto". "Faço minhas suas palavras".

Vou contar um semi-segredo. Como um bom radarzinho geminiano que sou, passo os dias tentando captar esses sinais. Minha vida não é a mais agitada, já que trabalho o dia inteiro e não sou mais da gandaia - podia até quase ser canonizada de tão comportada que ando. De qualquer forma, vou lendo, vendo, conversando, prestando atenção, e anoto "possibilidades" nos caderninhos que trago sempre perto de mim. Aí, escolho, sento e escrevo. Tudo ligado no espontâneo. De um f�?lego só. Meu pensamento em voz alta.

Esta semana estou ferrada. Porque, se pensamento pudesse ser visto nas ruas, as pessoas estariam andando com balõezinhos em branco em cima de suas cabeças. Paira um sentimento de frustração misturado com ansiedade, falta total de previsibilidade, receios mil, dúvidas existenciais e um enorme desânimo. Sensação de estarmos andando para trás, falando as mesmas coisas, no mesmo horário, com as mesmas pessoas, nos mesmos lugares. Ou, melhor, falando com as paredes.

Concentrei-me bem. Olhei nos olhos de ricos e pobres, jovens e velhos. Nada. Conversei com os cachorros, os gatos, as plantas, com minhas traquitanas. Nada. Nem me responderam, o que me faz pensar o quanto a natureza também está no vácuo. Há muito não consulto o mar e a areia, mas temo que eles andem com a cabeça lá pelos lados da Indonésia onde a desgraça chega em potes, com maremoto, tsunami e vulcão, e tudo no mesmo dia. Ah, coitados!

Olhei para mim. Um mau humor interno, vindo bem "lá de baixo", pegando o est�?mago, uma dor de cabecinha chata, apreensão, cansaço, falta de tesão, vontade de dormir, de viajar, de sumir. Que começou a piorar no meio da semana, se acentuando na hora dos noticiários e de ler o jornal.

As manchetes que li e traduzi, como eu as faria, entre outras: Professora carioca esmigalhada, presa e humilhada por sua linda história de amor com aluna. Mulheres gordas fogem das esporas de estudantes imbecis em Araraquara, no interior paulista. Delegado procura chifre na cabeça de cavalo em brincadeira acadêmica e ingênua de abaixar as calças. Candidatos beijam santos e dem�?nios. Jornalista é detida; usava sutiã de biquíni em Praça proibida. Papa dá pitaco. Morre em São Paulo delegado imaculado, e filhos ameaçam falar. Argentinos mostram-se passionais até demais. José Alencar aproveita que está passando perto e pára no Hospital Sírio-Libanês. Crianças precisarão de três vias de receita para comprar chupetas. Dilma afirma com todas as letras: chama-se Dilma. Lula desafia o Papa: "quem é você para falar assim comigo"? Serra garante casar menina bonita que der. Voto.

Esses ataques de moralismo sórdido, misturados com populismo e a puritanice charlatã e carola de ocasião, me dão azia e mal estar. Tiroteio no Rio vira cotidiano. Gente morrendo nos hospitais vira notícia quando esquecem o corpo do lado de fora. As toneladas de droga anunciadas como recolhidas viram recicláveis de alto custo. Os caudalosos rios amazonenses secam e as represas paulistas revelam carros suicidas. E, agora, se você quiser algum antibiótico, melhor procurar um traficante. Estão ilegalizando as drogas.

Esses próximos dias serão mesmo assim: uma espécie de intervalo, o vácuo, literalmente o que não se acha ocupado ou preenchido; que nada contém; vazio. O vazio, o silêncio, o lamentar o que deveria ter sido ou como poderíamos ter feito. O meio tempo no qual descobriremos que mais um ano está acabando, com o Natal chegando, esperamos - cheio de luzinhas. Mais do igual.

Agora, escuta só o que descobri, e me preocupou, de certa forma existencial: no vácuo é impossível respirar; pois não há qualquer átomo de quaisquer gases. O vácuo não existe propriamente, já que é o vazio, e todo espaço conhecido é formado por uma matéria.

Será que estamos tão vazios assim? Um perigo. Porque igual "parar é andar para trás", e se coisa ruim vem tentar pegar esse nosso "espaço"?

Ui. Encosta na parede quando for conversar com ela.

São Paulo, santos do pau oco, 2010


(*) Marli Gonçalves, jornalista. Intuitivamente já sabe de antemão o que qualquer resultado significará. E não estou falando de loteria. Ah, coitados!
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