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segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Sorria, mesmo se não estiver sendo filmado! por Marli Gonçalves


Danuza Leão escreveu um artigo na Folha deste último domingo que eu gostaria de ter escrito. Era sobre namorar a vida. Sobre namorar tudo o que encontra pela frente, sem conotação sexual, a princípio. O título, "Sempre”. Para mim, falava fundamentalmente de um dia bom, de um dia inteiro de bom humor, de leveza. Queria eu ter imaginado esse lindo dia.

Admiro muito a Danuza Leão. Ela viveu, aprontou, falou abertamente sobre coisas e pessoas, foi e voltou. Teve homens bárbaros. Arriscou com outros nem tanto. Escreveu, contou, ensinou. Chega até a dar algumas dicas, nem todas, que ela não é de entregar o ouro. Manteve sempre a elegância que a projetou, orgulha-se de ser mulher, parece gostar de viver só, ou pelo menos de estar adaptada de forma irremediável à situação. Fez e gosta de filhos que fez; aguentou firme a perda de um deles. A filha, o outro filho, o neto, todos mantêm a tradição espetacular da família. Todo mundo, alguém. Na semana passada, quando escreveu o texto "Sempre” para a Folha de S. Paulo, devia estar de bom, de excelente humor. Provavelmente nem tinha Sol, porque foi semana de muita chuva. Mas Danuza, "mulher couro” e rato de praia do passado, não deve estar muito mais preocupada com isso, pela preservação da cútis. Adoro essa palavra: cútis.Imaginou-se, acho, saindo de casa, lalalalallllá, toda alegre, legal de organismo, depois de dormir super bem e já quase na hora do almoço, fazendo mágica, pedindo uma boa caipirinha, um salgadinho, e a partir daí encontrando só sorrisos e pessoas boas e iluminadas pela frente. Ela falou, então, sobre os sorrisos que advêm das gentilezas. Danuza se refere como a um namoro, um namoro com cada uma das pessoas e situações. A gentileza, com razão, desarma guerras e arma sorrisos. (Bem, ok, ela deve ter saído a pé. Se vivesse aqui e pegasse o trânsito paulistano conseguiria? Ia é ver como é difícil até respirar, quanto mais sorrir).Achei legal porque a Danuza vive no Rio de Janeiro e mostrou que pelo menos neste dia, para ela, havia um Rio verdadeiramente acolhedor. Talvez ainda envolvida no embalo da festança do que se diz que virá daqui a longos sete anos, como promessas poderosas. E quando pensou no que escrever em sua crônica conseguiu esquecer das balas perdidas, das balas que mataram nos assaltos nas ruas, avenidas, praças, de classe ou não; esqueceu dos arrastões, favelas, da miséria unida a uma polícia corrupta, de cima a baixo. Ainda bem que Danuza também não precisou viajar, porque o aeroporto, ou melhor, os aeroportos do Rio, estiveram em um caos absoluto a semana passada. Choveu... As estações de trem, com pancadaria. Talvez ela não tivesse assistido ainda o noticiário das enchentes, com mortes. E como certamente não tinha lido os jornais, conseguiu manter seu humor, longe de Dilmas no Bomfim, Mantegas justificando regras de impostos mudadas porque ele quis e no meio do jogo. Muito menos soube como foi o jantar do PDT (que acho um partido bem carioca de origem, Brizola na veia, mas que hoje só escoa Luppis e Paulinhos), não soube das festas baianas do PC do B. Lula lá, Sarney acolá, o chapeludo de Honduras y los outros pentelhando. Que bom que ela conseguiu. Para nos sentirmos felizes, às vezes precisamos e devemos esquecer de absolutamente tudo. Desligar o mundo. Não saber. Ou melhor, nem se importar.Mas Danuza tem razão. É preciso sorrir muito para tentar sair, ir, vir e voltar e não se aborrecer; no mínimo, não se aborrecer. É preciso mostrar-se disposto aos outros, e o sorriso – às vezes um mero olhar de confiança – pode abrir portas. Quase faz aquele barulhinho que aparece em filmes de animação – acompanhado do brilho tilintante das estrelinhas caindo. Tudo bem também que dependerá muito de onde você mora. Aqui em São Paulo, andamos a pé nas ruas apavorados e achando que mesmo assim os guardas amarelinhos e marronzinhos vão nos multar, anotar as placas de nossas derrières, de tantos que são, aflitos com seus bloquinhos. Nos condomínios não há jeito de fazer aquela gente entender que não adianta buzinar na porta quando chega, e que, para chamar alguém, se pode, por exemplo, usar o telefone celular, maquininha bem popular hoje. Ou usar o interfone, educadamente. As pessoas podiam não gritar tanto, educar melhor suas crianças, e até os seus cachorros. Os motociclistas não se emendam, nem aprendem que não se ultrapassa pela direita. E o barulho dos escapamentos? E eles furando a faixa de pedestres? Também nem é mais possível a paquera divertida e sem compromissos de carro a carro que tantos casamentos deve ter produzido, e que era um esporte por aqui. Ninguém pára, liga para ninguém, fala com ninguém. E ainda tem os olhinhos das câmeras em cima de você, ninguém sabe exatamente viradas para quem, quem te espia. Sorria. Anda difícil até pedir informação na rua. Cada qual em naves fechadas, de vidros escuros, motor com ronco agressivo. Ultimamente, ainda, se você também consegue notar, vê para tudo quanto é lado carros equipados com GPS, exibidos, pretensiosos, ou mesmo tevês e devedês de verdade. Já vi carros com três telinhas quadradinhas, duas lá atrás só para distrair pirralhos. Daqui a pouco terão internet e wireless disponíveis. Se bobear, instalam forno, fogão, com sistemas bluetooth para vender mais carros. E aí que ninguém mais fala com mais ninguém, até para cumprimentar parece ter preguiça. Agradecer? Só se tecla, tuita, orkuta, deleta. Como sorrir assim? Como namorar assim?Escrevi sobre isso. Obrigada, Danuza! Suas impressões me interessam sempre muito mais do que as de Glorinha Kalil. Bom, o texto ficou mais leve do que o que eu tinha pensado antes. Que era escrever sobre nós, como mulheres e homens-bomba, andando por aí, prestes a explodir, matar ou morrer, com ou sem motivo, e sem supositório. Enquanto preferiria estar falando sobre como tudo podia ser mais legal, mais brisa de beira-mar, mais feliz, mais sorridente, mais tranquilo. Mais amoroso.
São Paulo, onde gentileza e educação podem virar notícia, e onde não dá para se distrair senão te passam em cima.

• Marli Gonçalves, jornalista. Já se livrou de muitas frias, sorrindo, e conhece e cumprimenta todas as pessoas que ficam do lado de fora do seu caminho do dia a dia, mesmo que não tenha nada para dar ou comprar. Sabe que isso faz diferença, um bem enorme para aquela pessoa? E bem para o mundo, mais do que o Faustão parecendo o Gugu (reparou?), o Gugu querendo ser Silvio, loiras tentando ser Hebe e a insana tentativa de achar crianças tão inteligentes e chatinhas quanto a Maísa. Que não se espalhem. Pode ser um vírus fatal.

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