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segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Aos que já se foram daqui, por Marli Gonçalves

É tudo uma questão de tempo. Uma certeza. A gente vai também. Mas quando? Como? Teremos tempo de fazer tudo? Nossos amigos foram antes. Quem será que está melhor: nós ou eles? Quem se adiantou? Quem se atrasou? Que teria acontecido se eles ainda estivessem por aqui?


É um tema difícil esse, de sair daqui para só-Deus-sabe-onde. Ninguém gosta muito de pensar nisso. Nem eu. Mas não tem jeito: num mês assim de agosto, há 16 anos, perdi meu melhor amigo (*) . Aliás, neste ano aí perdi vários, mas um em especial. Acho que nunca me recuperei. Não exatamente de uma tristeza de ele ir, mas da sua simples ausência aqui, pessoa incrível, criativa, elegante, justa e generosa; um homem bom, que faz falta para muita gente. (Alguns entre meus leitores vão saber e lembrar quem falo - raridade absoluta no planeta Terra).

Chega até a ser engraçado porque eu tenho certeza de que, onde quer que esteja, ele está bem. Assim como acho que minha mãe está bem. O critério, de qualquer forma, é achar que estão melhores lá não-sei-onde do que estavam aqui, debilitados. Mas, pergunto, como seria se eles tivessem podido colaborar mais, fazer mais, ter mais tempo, deixar mais de suas obras?

É usual dizer que quem é bom vai antes. Quem é ruim fica pra semente. Mas isso não é verdade. Claro que chegam notícias de pessoas que a gente pensa – Já vai tarde! Ou, "pensei que já tinha ido!” . E essas, as pessoas más, por que as deixaram ficar fazendo maldades tanto tempo antes de levá-las? Para que ficassem marcadas, não fossem esquecidas? E os grandes poetas de outrora, todos na história? Mortos, jovens, passagens fugazes.

Você já perdeu amigos? Já chegou perto de uma fase onde você só encontra alguns conhecidos em enterros, velórios? Ei, não vem que não tem: não precisa ser velho para isso, principalmente com o nível atual de violência atingindo de chofre exatamente os mais jovens. Potencialmente mais explosivos, mais acidentáveis, mais matáveis, mais morríveis, mais enfartáveis.

Já perdi gente da família, a minha própria reduzida a meu pai, meu irmão, eu e minha gata. Mas família é outro assunto. Aqui estou tentando focar nos amigos, nos parceiros, nos conhecidos e admirados que caíram nas margens das estradas da vida, sucumbiram e poderiam tão bem, sei lá, ainda estar ao nosso lado. Estar por aqui aprontado para a gente ver, aprender mais, admirar.

Lembro que logo cedo, adolescente, tive amigos que se mataram. Com tiro de revólver, com mangueira de chuveiro. Nunca entendi alguns deles, por que quiseram se retirar tão cedo, com 14, 15 anos, futuros brilhantes. Outros morreram em acidentes evitáveis, se eles quisessem, ou, melhor, tivessem querido, sendo eles próprios queridos de alguém. Toda hora tinha um escorado num poste. Ninguém conversou comigo naquela época, nem depois, e eu tive que deglutir sozinha essas dúvidas. A morte parece ser uma jogadora invisível a se apresentar quando somos jovens. Fica ali, à espreita.

Hoje é nos esportes radicais que muitos tentam sem querer chegar antes no sei-lá-onde. Adrenalina, espírito de aventura, coragem. Vida nos limites, do matar e do morrer. Veja no que está dando todo esse impasse e o pouco valor de muitos pela vida.

E se buscar resposta na Religião? Não. Mesmo com toda uma formação espiritualista, mediunidade desenvolvida e várias crenças pessoais, do bem e do mal, não consigo responder se eles, os que foram, se adiantaram, ou se nós é que estamos atrasados. Qual é a hora certa? O que deixar para quem fica, o que, qual testamento, qual exemplo de vida?

E, chegando lá onde a gente-não-sabe-onde, será que poderemos continuar a nossa obrinha, influenciando outros, ou poderemos voltar transparentes e puxar o pé de alguém aqui? Quem influi em quem? A gente volta?

Via das dúvidas, nunca deixo de ter flores em casa. Esse amigo que perdi certa vez me disse que os anjos só visitavam a Terra por causa delas, o único lugar onde poderiam ser encontradas. E eu acredito nisso fielmente, tal a certeza que tenho e lembro-me de sua afirmação. Como acho que ele virou anjo... Gosto de imaginar que viraram anjos as pessoas legais que me deixaram.

Com asas, também procuro respostas na fábula da Ave do Paraíso, no mito da Fênix que ressurge das cinzas, das suas próprias, e sai em pleno voo. Interpreto como uma obrigação de quem fica a de fazer renascer diariamente as idéias e os ideais que nos transmitiram. A lógica? Que lógica há na morte? Que lógica há na vida?

Como poderia ter sido cada coisa que foi, e o foi, desta forma e com aquela pessoa, porque outras tinham partido. Senna seria Pelé? Luis Eduardo Magalhães, LEM, do DEM, presidente da República? Cazuza ainda iria arrumar muitas brigas? Renato Russo relaxaria um pouco daquela tensão? Se Raul vivesse, Paulo Coelho existiria? O Dener, da Portuguesa e do Vasco, até onde teria chegado com seu belo futebol? Marcelo Frommer estaria nos Titãs? Rubinho, se não tivesse tido aquele grave acidente dias antes da morte do Senna, teria sido um novo Nelson Piquet? E Tancredo, se tivesse assumido?

Balas, acidentes, doenças, desgraças, tragédias, tristezas, drogas, máquinas e motores, guerras e vilanias vão continuar mudando o rumo da história. Pelo menos a que podemos ver por enquanto - a História da Terra.

São Paulo, e antes de 27 de Agosto, quando se anuncia que à meia-noite e meia duas luas estarão no céu. O planeta Marte será a estrela mais brilhante, e vista tão grande quanto a Lua cheia. História que a Terra só viverá novamente em 2287, quando eu e você já fomos daquí e podemos até já estar de volta, e puxando o pé dos descendentes dos que ousarem destruir nosso país agora.

Marli Gonçalves, jornalista. Acredita, já disse, em tudo e em mais um pouco, desde que vendo, de forma direta, da fonte. Então só pode afirmar que o sobrenatural existe, porque emana. Mas não sabe como é. Pena, senão te contava!

(*) Dedicado ao Edison Dezen, que já tinha paraíso até no nome.

(Acabo de saber neste exato momento que mais um fol, meu amigo querido de tantos anos, companheiro de escola e de vida, o ator Miguel Magno. Tá vendo? Quem agora vai falar daquele jeitinho? Quem vai te divertir daquela forma? Agora ele estava fazendo sucesso no Toma Lá. Dá Cá...Que a estrela de Aldebaran o acompanhe!)

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Um comentário:

Luiz Nusbaum disse...

Não gosto de pensar na morte, mas tem horas que ela nos assombra. Admiro as pessoas, como a querida Marli, que com seu texto maravilhoso, consegue se expressar de maneira tão comovente.
Já senti a morte de várias maneiras. Já perdi pai e mãe, irmão mais velho, parentes, amigos, ídolos e conhecidos. Já perdi duas grandes paixões (Katucha e Filó). Já perdi profissionalmente, mas na certeza de ter feito o que era possível para lutar contra a inevitabilidade, da única certeza desta vida, do toque final do relógio biológico. Sempre fui péssimo com as palavras nestas horas, mas nunca me esquivei de oferecer o ombro, um abraço e ouvir. Entre os judeus não há o costume de se desejar pêsames ou condolências, apenas se cumprimenta o enlutado. E costuma-se dizer: "nor simches" (ou algo parecido) em idishe – pronuncia-se NOR SIMHES – desejando que os próximos encontros sejam “somente na alegria”. Que assim seja.