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sábado, 27 de fevereiro de 2010

Mulher com cabeça e tudo, por Marli Gonçalves

Dia Internacional da Mulher é coisa séria. A gente devia fazer é um minuto de silêncio. Não queremos esse bombardeio de bobagens, flores, bombons, textos edificantes de autoajuda, sugestões de presente. Para isso tem Natal, Dia das Mães, segundas, terças, quartas, quintas, sextas e fins de semana. Queremos respeito. Queremos ter orgulho de nós e de todas as nossas mulheres. Queremos a verdade.


Começou. Vem de todos os lados. De um dia, ou melhor, de um mês para outro, a mulher entra na ordem do dia, quase mais que no Carnaval, quando o importante é ter peito e bunda, e sacudir os dois. Já recebi toda sorte de mensagens comerciais, estéticas e chatas sobre o Dia da Mulher, de gente achando e fazendo que é um dia igual a qualquer outro desses comerciais. Juro: recebi um e-mail que falava de uma promoção de viagem só para mulheres, para Las Vegas. Um trecho dizia algo parecido com isso : "O presente para a sua mulher que ela retribuirá na volta". O roteiro inclui idas aos cabeleireiros, shows de strippers, passeios de limusine, bebida. Só não deixou claro se vai ter comida. Mulher gosta de ser bem.

Ou seja, o presente para a mulher é se ver livre dela por alguns dias. E, da parte dela, ganhar e saber o que o mundo livre pode lhe proporcionar longe dos olhos dos fiascos de seus maridos.

Não vou ser a primeira, graças, a afirmar isso, mas preciso repetir. Mulher que é mulher sabe que é mais do que toda essa turba insiste em pechar. Mulher tem cabeça, não é bacalhau nem camarão, embora algumas estejam se vendendo por quilo. Mulher que é mulher sabe o quanto tudo é difícil e ainda - ainda, ainda,ainda! - tão cheio de preconceitos e proibições. Mulher que é mulher sabe ou pelo menos deveria saber que o Dia da Mulher é uma data política, que marca nossos primeiros gritos para o mundo: Quero votar! Quero dar! Quero ter prazer! Quero trabalhar! Eu posso, você também! Não se submeta!

E sabe que é data para lembrar de continuar gritando, o que ainda faremos por muito tempo: Eu posso! Eu sei! Eu tenho que ganhar igual! Não sou prisioneira! Eu posso!

Já estou até vendo as declarações de certas pessoas, mulheres, sim, mas mulheres a quem não foi dado o dom de perceber isso fora de vontades e horários eleitorais, que fazem de tudo uma grande massa das massas pelas massas. Uma coisa é uma coisa. Outra coisa é vestir a capa e o gestual da rudez masculina. A mulher não é mais mulher ou mais legal porque trabalha hoje como caminhoneira, lixeira, porque pula de paraquedas, porque manda e desmanda, o cacete a quatro, ou porque pode ser ministra, presidente, chanceler ou ditadora. Chega de espanto. Isso é normal. Mulher é gente, na geral. E o que gente faz a mulher pode fazer. Só que antes não deixavam a gente fazer algumas dessas coisas, nem quando precisávamos.

Quem não sabia que era assim é que fica espantado hoje em ver as "rachas", "rachadas" - entre outros apelidos tão carinhosos como porcos espinhos- em cima de ondas altas, no topo das montanhas, manipulando células, mandando ver.

A mulher precisou. Sair para trabalhar, criar, pintar e bordar, além de cozinhar. Ter o filho que queria, sem vir junto o penduricalho que o inocula. A mulher quis ser ouvida com sua linguagem e visão particular, mostrar sua cara ao mundo. Cara que fica na cabeça, que pensa, antes de ser bonita ou feia.Sem essa de Marte e Vênus. Somos todos terráqueos. Apenas alguns bem mais atrasados que outros, que ainda jogam pedra, mutilam clitóris, e impõem véus e suplícios. Como os muitos brasileiros que ainda subjugam meninas-crianças, que matam e envenenam, que roubam a estima e a confiança das que encontram pelo caminho, e agora na internet.

Somos diferentes, sim. Não há dúvida. Nem melhores ou piores. Diferentes, de uma diferença que deve ser aproveitada, expandida, comemorada. Vemos as cores e a vida de forma diversa e mais rica. A força que não temos pode aparecer do nada quando precisamos, mais ainda se for para defender o que e quem for nosso. Ainda não tomamos Viagra ou similares. Uma música, um toque, uma poesia, nos eleva, de graça. Sofremos,choramos, batemos os pés, mexemos as mãos e jogamos os cabelos como só nós sabemos. Que nos desculpem os travestis e etc. Mas igual, igual que nem, não dá para ser. Nem com a operação de corte e "embutimento". Nosso andar é rebolado, nosso pescoço mais fino, nosso cheiro é atraente, nossas roupas, sapatos e bolsas mais legais. Uma calcinha, por mais barata que seja, é mais legal do que uma cueca.

Nossa voz pode ser fina. Mas sabe engrossar.

Nossas mãos podem ter calos, mas as unhas estarão pintadas. E, mesmo que curtas, podem fazer um estrago.

Do nosso peito sai leite. Vertemos sangue.

Somos a vida. Mas a violência ainda nos oprime.

São Paulo, marcadas pelo dia 8 março de 1857, quando muitas ficaram no chão de uma fábrica, e somente reconhecidas em 1975.


Marli Gonçalves, jornalista. Feminista desde criancinha.

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