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segunda-feira, 23 de novembro de 2009

REGRAS, MARLI GONÇALVES


A liberdade de um acaba onde começa a do outro. Bonito parâmetro. E quem define o que é a liberdade, o pode-não-pode? Pode ser a coragem de enfrentar o que alguém proibiu ou falou para não ser feito. Pode comer macarrão com arroz? Pode cortar a folha de alface?Ah, deixa, vai!

Liberdade, educação, etiqueta, norma, regra ou garantia individual? Ou pentelhação pura e simples? O limite é muito confuso, particular até, dependendo da cultura, nacionalidade ou ainda nível social e filosofia de vida. E, claro, o comportamento que se quer defender. Quer comer cachorro, gato, cavalo? No Oriente tem. Aqui, não. Lá tem também até quem vive de luz, dorme em prego, quem acha os ratos e as vacas sagrados, e os escorpiões crocantes. E quem chama cobra na flauta, coisa que aqui anda difícil. Nem no grito, nem com sussurro.
Toda hora leio em algum lugar uns certos alguéns, pessoas que fizeram só um monte de coisas desimportantes, ou ostentam sobrenomes rebuscados (com Ys, Ws, Hs, Zs e até Ks, glórias do passado de gerações) serem alçados à condição de professores. Procuram e são procurados para proporem listas de pode-não-pode, faça-assim, comporte-se como, vista-se de. Off e On. In Out, up to date, por dentro, por fora. Desculpem, tenho que usar o termo: Caga-regras! Não há melhor definição.
Querem traumatizar, uniformizar, pasteurizar, impor, controlar. Hipocrisia, com cara de ajuda, de conselho, e o que é pior, de definição de vida. Criam um corredor polonês, uma fila de matadouro e exércitos e exércitos de pessoas infelizes, tensas, deslocadas, insatisfeitas.
Depois, até na propaganda, perguntam: o que faz você feliz?
Fazem parecer pecados mortais, venais e condenam ao fogo das trevas quem exagera algo, erra o perfume, ou gosta de decotes. Como se nunca eles próprios tivessem errado, vestais. Coisa de gente que nunca ousou. Desde menina defendo minorias como os decotes, os decotudos e as decotudas. Os motivos variam: calor, conforto, ou personalidade. Ninguém quer sacanear ninguém. Uma camiseta queridinha, com a gola cortada! Tem melhor? Só uma calçola de malha, furada, uma cueca larguinha. Uma touquinha no frio, a meia de lã esgarçada. Todo mundo tem.
Outro dia um amigo pediu um palito na padaria. Teve de ouvir a pergunta: Palito? De dentes? - Não, Pedro Bó, para comer comida japonesa. Trouxe um sushi de casa para tomar com café-com-leite.
Tudo bem que há coisas que fazem parte do que nos é mais particular, individual, íntimo, e que dividimos apenas, e quando dá, e olhe lá, com quem amamos muito, confiamos cegamente ou é pai, mãe, irmão, amigo de sangue. Juntar arroz com macarrão no prato, arroz com maionese, encher o bife de ketchup, lamber a faca ou envergar o fim do prato no gogó, limpá-lo bem limpinho com o miolo do pão. Beber água da jarra da geladeira pelo gargalo. A lista é grande, mas deixemos essas coisas no particular. Há quem possa considerar repugnantes certas delas.
Aqui quero só começar a me manifestar contra essa mania de fazer as regras, de listá-las, em geral de 1 a 10, como pecados e mandamentos modernos. Contra as regras com jeito de conselho da vovó que devem estar é matando muita criatividade por aí, de medo. Posso entender que há padrões, claro. Que há um limite. Mas há o inusitado também, o diferente, o novo, o que avança, refresca a mesmice. Inventa, modifica.
É preciso haver resistência. Liberar o cardápio da larica e juntar geléia com presunto e chocolate, coberto de nozes. Assim nascem os chefs. Comer a pizza fria seca. Assim nascem os livres e independentes. Mostrar numa entrevista de trabalho que o potencial não está na roupa, que pode ser errada. Assim nascem os grandes líderes – no caso, as almas capazes de abrir espaço a quem ousa.
Fica mais difícil, cansa, requer mais, o esforço é maior; os obstáculos, tropeços, também. Mas a glória vale a pena, se conquistas fizerem parte de sua felicidade. Não deixe que escolham as cores de suas preferências, o salto dos seus sapatos, a maquiagem dos seus olhos.
Todo mundo erra um dia. Disso ninguém escapa. Mas levanta e sai andando.
São Paulo, listada entre as maiores, e entre as mais caras e as mais tensas, 2009. •
Marli Gonçalves, jornalista. Fui, nestes dias, a um encontro de jornalistas, na verdade, de gerações de jornalistas que desde 1964 fizeram do Jornal da Tarde, o JT, um dos mais incríveis veículos que já existiram nesse país, reinando décadas que, infelizmente, estancaram. Tive a honra de conviver, conhecer e trabalhar, no JT ou fora dele, com dezenas dessas grandes figuras, homens e mulheres. Com eles aprendi. Mas ensinei também, lembro bem. Sei que os que confiaram em mim não se arrependeram. Foi bom ter certeza disso, passados 25 anos.
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