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segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Mentira! Marli Gonçalves

Mas e o que é a verdade? A Verdade é que você mente todo dia: foi essa frase que li pichada em belas letras numa parede de rua de minha cidade que me fez cismar um pouco neste lance de mentira. É verdade? Sem culpas, por favor, que mentiras também são necessárias, também são gente e têm sentimentos.

Era um carimbo só, ou uma máscara, como os pichadores chamam suas formas para artes de spray em série. As letras negras em uma escolhida e lisa parede amarela. A verdade é que você mente todo dia. Ali, jogada naquela esquina de cruzamento de uma grande avenida, a frase me pareceu absolutamente verdadeira, mesmo que em pequenas coisas, pecaditos. Você mente todo dia.E o que é pior, mente para você mesmo, para começar a história sem muitas firulas e panos quentes como é, inclusive, o meu habitual, sem mentira nenhuma. A primeira da série é aquela olhada no espelho do banheiro, quando acordamos. Yourself, myself. Depois, e às vezes até antes mesmo de sair de casa, vai usando esse ardil para aqueles que vai encontrando pelo caminho no dia a dia. Não precisa morrer por causa disso, nem te acuso de nada. Eu também sou você. Vai dizer a verdade crua para quê? Que não quer levar as crianças para a escola, que a comida está horrível? Vai ter de ir mesmo, vai ter de comer. É verdadeiro aquele obrigado dito ao porteiro que teimou em te dar em mãos, registrada no caderninho, uma conta daquelas logo cedo? Não. Mas valeria a pena tentar explicar para ele? Tudo pela Paz. As mentiras também têm sentimentos, quase são gente, e às vezes surgem – até caem do céu, gracias, gracias - quando são necessárias para a acomodação geral. Para evitar um, digamos, acidente doméstico, ou o final de uma linda amizade, um caso de amor. Por um fim de semana de paz. Ou mesmo uma noite sossegada. É preciso ser rápido, lépido, sacá-la como a um revólver, à queima-roupa. Para não deixar dúvidas. Para que ela desça suave goela abaixo do alvo, regurgitada naturalmente da sua. Não pode ter suspeita, não pode deixar dúvidas, não pode desviar os olhos, o movimento tem de ser completo. Será a sua verdade.Mas ela, a mentira, tem limites. Senão passará a ter outros nomes, como sacanagem, maldade e maledicência, falta de senso, loucura, crime. E é neste ponto da conversa que a gente tem de entender e precisa aprender a desenvolver poderes especiais para sacá-la, neutralizá-la, antes que ela nos torne suas vítimas, nos deixe feridos. Também devemos rogar para que as nossas, por inocentes que sejam, não virem agentes do Mal para alguém.Quero assistir. Ouvi que há uma série de tevê sendo anunciada na rede paga brasileira, Lie to Me (Minta para mim). Faz sucesso lá fora e traz as investigações de uma equipe formada por especialistas em detectar mentiras, que interpretam, como cientistas, as expressões e gestos, em menores detalhes. Prestam serviços para entidades como o FBI, a polícia, empresas particulares ou de pessoas dispostas a descobrir a verdade que alguém pode estar escondendo. Interessante, não? Já pensou se essa profissão pega? Deve dar grana. Calculada sobre a quem interessa a tal Verdade. E será que só existe uma? Pergunto se só haverá uma Verdade. Há casos em que nossa visão do mesmo fato, pode ser mentira para um, verdade do outro; e vice-versa. Às vezes se confundem, embaralhadas, em imagens e sons não compreendidos. Não é muito simples essa equação. Inclui ainda a cultura e a informação de cada um. Assim, nesta balada, a mentira é arma de marketing. Vivem juntos, mãos dadas, entrelaçadas, namoram rosto no rosto.É o marketing que muitas vezes procura a mentira, oferece amor, beleza plástica, uma bela canção, dita e repetida, e que acaba por virar uma verdade na sua cabeça, inconsciente, você e sua mente. O que preocupa na informação oficial que tomamos na água da torneira e injetada na veia, neste excesso de pré-sal, de que vamos arrebentar, isso-e-aquilo, místicos sete anos antes, e em áreas temerosas.O que preocupa também em tudo que vende conceitos modernos de viver, gastar, fazer, vestir, ser. Padronização pode ser nada mais do que uma mentira, vendida, comprada, imposta. Nós nos acostumamos a acreditar em mentiras. Acreditamos em promessas, se forem daquelas bem mentirosas!Nietzche disse que "as convicções são inimigas mais perigosas da verdade do que as mentiras”. Machado, que a mentira é muitas vezes tão involuntária como a respiração. Bonnard notou que "o amor pode morrer na verdade, a amizade na mentira”. E uma escritora de quem gosto muito, Anais Nin, decretou: ”A origem da mentira está na imagem idealizada que temos de nós próprios e que desejamos impor aos outros".Vou continuar pensando. Mas não deem risada, se não me conhecem. Minha cara é tão transparente que prefiro sempre falar a verdade, porque seria difícil ser espontânea de outra forma. No máximo, posso calar a Verdade na qual acredito, mas é difícil. Abrir a tampa da panela já me causou problemas nessa vida, mas sempre deu para consertar, mesmo que mais ou menos, porque eu estava com a razão. Mas há verdades que, aprendi, não podem jamais ser ditas. Cada um de nós, os que mentem todo dia, precisa só aprender como ligar os pontinhos. E a que horas.”-

São Paulo, crua de verdade. Feliz Cidade, Ver a Cidade (*),2009.

• Marli Gonçalves, jornalista. O que me motiva a escrever é justamente isso. Mostrar o quanto todos somos iguais e precisamos uns dos outros para compreender a nós mesmos.

(*): Outras pichações das paredes de minha cidade.

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