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segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Eu quero ser Carmem Miranda.

por Marli Gonçalves

Para poder revirar bem os olhos, dar um sorriso maroto, e sair requebrando em cima dos tamancos, falando esquindô, esquindô... Brasil, esquentai vossos pandeiros...
Aqui e lá fora, a época áurea dos musicais e filmes clássicos mostrava sempre um bonitão magrinho, meio rufião, com o bigodinho fino, gumex no cabelo, tentando enganar ou se dar bem em cima da "mocinha”, da estrela. Ela própria – sempre linda - era, dependendo do roteiro, ou uma ingênua declarada ou uma vilã disposta a tudo para se dar bem. Às vezes, eles até se amavam, mas o tempero era dado por muita traição, muita música de fundo, bons passos de dança, envolvimento com dinheiro, um crime ali, outro aqui, festas ou noites em boites enfumaçadas, o barulho do gelo rolando no copo, certo glamour.Hoje o bigodinho, digamos, cresceu um pouco. E os personagens são baixinhos, atarracados. Não há bonitão nenhum, muito menos magrinho e sexy, e até o tal certo glamour das drogas e do álcool foi substituído por tubos de lubrificante K-Y, encontrados em gavetas de porões políticos. Parece o básico de roteiro de telenovela, como tão bem um amigo define: o filho que não é filho, do pai que não é pai; mas a mãe também não é a mãe; aliás, lá pelo meio, para esquentar a audiência pode até revelar que na verdade é estéril ou hermafrodita (como acaba de fazer na realidade a cantora Lady Gaga). Ou a avó. Há as variações, dependendo da idéia e capacidade do autor em escrever a mesma coisa com outros tipos, roupas, épocas. Agora, por exemplo, tem a novela das mulheres com "verruga na testa” (o bindi) e uma facilidade e capacidade inimaginável de movimento e transporte, de deixar até o equipado 007 no chinelo. No imaginário criaram uma ponte estratificada entre o Brasil e a Índia. Tiram o sári e aparecem de biquíni; na outra cena já estão fazendo dancinhas cobertas de panos e badulaquinhos brilhantes e usando aquelas expressões chatérrimas, de uma cultura muito distante.Estabeleço certo paralelo porque, amigos,socorro! Está demais esse tudo muito chato, previsível e arrastado. Há meses falamos do bigodão de certo senhor, grudado numa cadeira, cercado de outros, horríveis, cabeludos ou com perucas e madeixas acaju, as negras asas de graúnas e corvos, e com um monte fétido de um passado sendo descoberto, lentamente, como uma tortura. Aparecem filhos, netos, netas, namorado do namorado da neta, amigos bem recompensados para continuarem amigos e não saírem com boquinhas nervosas, denunciando esquemas, dos quais se serviram até ali. Nem para videogame serve uma história dessas, muito menos para um país.Na trama já apareceu e desapareceu um mordomo, o Secreta, um professor de caratê ou qualquer coisa oriental dessas, uma esposa perua querendo dar uma Mercedes para jornalistas, passagens aéreas rendendo bônus e a alegria de várias gerações. Rios de verbas milionárias, jorrando como petróleo, ou do nosso petróleo. Veja como de repente virou tudo a mesma coisa: Brasília, Maranhão, São Paulo, Alagoas, Rio de Janeiro, Pernambuco, Garanhuns - mostram uma única Terra Brasilisque pisamos, o cenário. Faltam aparecer ainda mais amantes, histórias sexuais mais apimentadas, as coisas pagas, outros filhos reconhecidos ou conhecidos, doses de pedofilia, mais escravos em fazendas, propriedades e castelos no exterior. Mas é só uma questão de tempo, de esperar um pouco. Há meses estamos paralisados, assistindo essa novela desenvolver-se na tela, com detalhes da narrativa sendo ditados pelo presidente-operário – com seus montes de frases de efeito - ao lado da mulher, a dele, a coisa, e a outra que-faz-cara-feia-para-parecer-competente e que, Deus nos livre!- vai tentar estrear no papel principal ano que vem. Vocês não acham que, pelo menos quando há detalhes mais picantes, dá muito mais vontade de acompanhar o desenrolar do assunto? Já pensaram a famosa neta posando para a Playboy e o namorado se mostrando para a G Magazine?Eu quero mais é ser Carmen Miranda. Mas nem isso a crise deixa. Ao invés das frutas carregadas criativamente na cabeça, hoje elas estão só nos xampus e condicionadores caríssimos, ou em cremes e itens de comprar e levar para casa. Tem de kiwi, coco, abacate, pitanga, morango, pêssego, maçã. Com sal, sem sal. Com chá verde, de camomila, hortelã. Tem de algas, ginseng, shitake e shimeji. Chocolate, café, leite. Cremes de aveia, soja, algodão. Com manteiga, sem manteiga. Já reparou? Tem lido a composição dos produtos?E os produtos de limpeza? Juro que já comprei um sabão em pó de uma marca que me vendia cheiro de jardim de infância. Mas também tem "Toque de Fofo”, "Passeio no Campo” e "Caminhando Sobre Pétalas, Orquídeas & Lavanda”, entre outros. Anotei: tem "momentos” de amaciantes, de Carinho, Infância, Aconchego, Amizade. Há definições de aromas, verdadeiras maravilhas modernas e viajantes, como "Alegria de Infância”, "Frescor de Chuva”, "Segredos da Lua” e "Sonhos de Verão”, além de "perfumes”, como os de "Felicidade” e de "Carinho”. Eu quero ser Carmen Miranda, cantar e dançar de novo, levar o nome do Brasil para o mundo, e sendo estrangeira - como ela sempre foi- continuar como orgulhosa, inigualável brasileira de adoção. Mas temos que tentar comprar no supermercado novas sensações? Passá-las no corpo ou na casa? Então, saudades de quando o legal era quando defumávamos nossas casas contra maus espíritos! Que amuletos, quais as simpatias que devemos providenciar, que mandingas tentar para ver se as coisas andam, melhoram? Vamos continuar virando os olhinhos, requebrando miudinho, neste agosto com gosto, mas que prevê muitos desgostos. Como mudar esse filme? Como trocar esses personagens sem graça do roteiro que estão produzindo para nos vender?
São Paulo, plataformas eleitorais de 2010. • Marli Gonçalves é jornalista. Preocupada, porque tem percebido muita gente tentando ficar alheia, como se nada lhe dissesse respeito, fosse tudo apenas mera ficção. Escuta muito a indagação: por que ninguém diz nada? Por que ninguém faz nada?Por que ninguém publica? O mais engraçado é que escuta isso justamente de quem poderia fazer, poderia agir, e que acabou de ler nos jornais. Ps cultural: O título deste texto faz referência ao filme Eu quero ser John Malkovich. Um homem descobre uma porta que leva direto à mente de John Malkovich, o ator, e onde pode permanecer por 15 minutos. Uma comédia quase bizarra dirigida pelo estreante Spike Jonze e com Cameron Diaz, John Cusack e o próprio John Malkovich no elenco. Na época, 99, recebeu três indicações ao Oscar.
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